21 abr , 1993
QUA
fora de cena À Roda Da Noite Trigo Limpo teatro ACERT
21 abr , 1993
QUA

fora de cena

Calendarização

21 abr
qua
01:00
1993
até
22
ABR
QUI
01:00
  (Teatro Alberto Maranhão)
06 mar
sáb
01:00
1993
  (Espaço Cultural ACERT)

À Roda Da Noite

Trigo Limpo teatro ACERT

Esta produção revelou-se mais um marco importante na vida do grupo – trata-se da primeira produção feita com subsídio regular. Traduz a fase de constitui- ção de um elenco alargado mais equilibrado e estável, no âmbito do qual se pretende afirmar um colectivo e ampliar o desafio artístico até ali desenvolvido.
A opção artística estabeleceu-se na adap- tação de um autor nessa altura ainda não tão reconhecido publicamente – Mia Couto. O trabalho de adaptação teatral dos seus contos tinha por base um guião pré-estabelecido, e as acções decorriam num desmultiplicar de personagens que surgiam naturalmente, à medida que a história a elas recorresse.
A cenografia incidia, de novo, na exploração multifuncional de um elemento cénico (carro), desenvolvendo-se o trabalho de actor na pesquisa da verdade cénica que suportasse a autenticidade de cada personagem.
O tempo e o espaço teatrais constituíam elementos exploratórios em que a dramaturgia se desenvolvia e em que o desenho de luz desempenhava uma função preponderante. Os signos teatrais, e a coerência da representação, foram apostas testadas nesta produção, que se revelou determinante na vida do grupo – mais de uma centena de apresentações, digressões por todo o país e estrangeiro, e Prémio de Interpretação Feminina para Carla Torres (Festival Internacional de Teatro de Portalegre - 1994).

Caderno de Teatro À Roda da Noite

Caderno de Teatro / ACERT

Calendarização

21 abr
qua
01:00
1993
até
22
ABR
QUI
01:00
  (Teatro Alberto Maranhão)
06 mar
sáb
01:00
1993
  (Espaço Cultural ACERT)

Ficha técnica e artística

Ante-estreia 6 de Março Tondela, Espaço Cultural ACERT
Estreia 21 ou 22 de Abril Natal, Brasil - Teatro Alberto Maranhão

texto a partir dos contos de Mia Couto: “Saíde, o lata de água”, “O último aviso do corvo falador”, “Rosa Caramela”, “Afinal, Carlota Gentina não chegou de voar?” e “O dia em que explodiu MabataBata” das obras: “Vozes Anoitecidas” e “Cada Homem é uma Raça” da Editorial Caminho.
Guião e adaptação José Rui e Pompeu José
Encenação José Rui
Cenografia José Tavares, Miguel Torres e Paulo Leão
Música Carlos Clara Gomes
Elenco Carla Torres, José Rosa, José Rui, Pompeu José e Raquel Costa
Direcção vocal Eduardo Aurélio
Desenho de luz e direcção técnica Luis Viegas
Figurinos e adereços José Rosa
Costureira Felicidade Café
Direcção gráfica José Tavares
Cartaz e programa Carlos Silva e José Tavares
Contra regra Hugo Torres e Paulo Leão
Assistente de produção Carlos Silva
Secretariado Luís Carlos Carmo e Maria José Matos
Apoio geral Ana Saraiva, João Paulo Martins, Nuno Antunes e Pedro Marques
Fotos Carlos Teles


Excerto do Texto

(…)
CHOFER – (Aparecendo de trás do motor, com a cara suja de óleo.) Fiz o que pude. Todos nós temos os nossos dias-não.
TODOS - Todos nós! (Olham-se. Quando vêem a cara do chofer mais ao perto, meio preta, começam a rir-se. Apenas Felina, se mantém natural.)
FELINA - Acho que a atitude que estão a tomar revela a mais absoluta falta de respeito, não correspondendo minimamente ao esforço que este bom homem por nós tem feito.
CHOFER - Muito obrigado, minha senhora. Eu começo a estar habituado.
FELINA - Por acaso tem alguma coisa com que eu possa limpar-lhe a face? É que eles, estão a rir-se, de ter a cara suja, sabe?
(Chofer leva a mão à cara, vê a mão preta, e fica envergonhado. Quanto mais esfrega, e tenta limpar, mais espalha e mais preto fica. Ao ver-se ao espelho, zanga-se, bate com a porta e sobe à grade. Inicia o texto do preso.)
PRESO - Eu somos tristes. Não me engano, digo bem. Ou talvez: nós sou triste? Porque dentro de mim, não sou sozinho. Sou muitos. E esses todos disputam minha única vida. Vamos tendo nossas mortes… mas parto foi só um! aí o problema. Por isso quando conto a minha história misturo-me, mulato, não de raças, mas de existências.
Matei a minha mulher, dizem. Na vida real matei uma que não existia Era um pássaro.
O senhor, doutor das leis, pediu-me a minha história. Isso que eu vou contar o senhor vai usar no tribunal para me defender. O meu sofrimento interessa-lhe, doutor? Não me importa a mim, nem tão pouco. Estou aqui a falar, isto-isto, mas já não quero nada.
Seis anos que estou aqui preso chegaram para desaprender a minha vida. Agora quero ser só moribundo. Morrer é muito demais, viver é pouco. Fico nas metades. Moribundo.
Estão-se a rir de mim? Explico: aos moribundos tudo é permitido. Ninguém goza com eles. O respeito dos mortos eles antecipam, pré-falecidos. O moribundo insulta-nos? Perdoamos, concerteza. Cagam nos lençóis, cospem no prato? Limpamos sem mais nada. Arranje lá uma maneira, senhor doutor. Desenrasque lá uma maneira de eu ficar moribundo, submorto. Afinal, estou aqui na prisão porque me destinei prisioneiro.
Nada, não foi ninguém que se queixou. Farto de mim, me denunciei, entreguei-me eu mesmo.

excerto do texto “À Roda da Noite”


Sobre a encenação

Olhei uma foto de 1976 do Trigo Limpo e descobri, entre os 50 elementos que então o formavam, o Mia Couto. Não se acreditam?
Puxei pela memória e descobri que em 1989 sonhei com um grupo com um Pompeu, um Rosa, uma Raquel, um Luís Viegas, outros que agora compõem este grupo. Nesse sonho falava com a Carla, o Prumo e o Luís Marreta, sonhando, sonhando... não se acreditam?
Recordo com prazer as conversas tidas em vários espaços e com variados grupos, pensando na utopia de uma Companhia Teatral profissional em Tondela. Entre dúvidas, a que a vida nos habitou, acreditámos muitos!
Com o Mia Couto, os meus companheiros de grupo e todos os loucos, que nos acompanham permanentemente nesta viagem, fizemos este “à roda da noite”, explorando o prazer de acordarmos gostosamente vivos, por não estarmos sós e blasfemando, a quem só incluí 24 horas, num período de tempo, a que chamou dia.
A descoberta, a estética, a representação e a imaginação surgem naturalmente quando lutamos pelo que desejamos, e nos reencontramos no acto de criação, num gesto de namoro que nos consome.
O risco e o desafio alimentam-nos as incertezas, de que queremos certificar-nos nos percursos, que o dia seguinte nos oferece.
Dedico este trabalho aos companheiros da 1ª hora, Prumo, Luís Marreta e José Manuel que, neste momento, e por múltiplas razões, não estão aconchegadinhos a este espectáculo.

José Rui


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