Que tipo de espetáculo a traz à ACERT nesta próxima temporada?

“Aerograma da Liberdade”.

No ano passado, recebemos um convite do Município de Loulé – Cineteatro Louletano – para fazer um espetáculo sobre as comemorações do 25 de Abril. Na altura, solicitaram um espetáculo musical para crianças... Eu trabalho em mediação de públicos e, através de uma exposição, percebi que as crianças não tinham memória da guerra colonial. Tínhamos também uma exposição de uma artista com uma peça chamada “Penelope”, que continha aerogramas cosidos que funcionavam como fonte de conforto. Achei que fazer um espetáculo musical que contasse a história dos aerogramas, de uma época da nossa história bastante sombria, em que famílias foram separadas com a ida de homens jovens para uma guerra em território que não era deles, numa guerra na qual não se identificavam, seria pertinente. Estávamos e estamos a viver guerras por todo o mundo. Na altura, as crianças tinham acesso a essa informação sobre as guerras, mas perceber que o nosso país também esteve envolvido numa guerra, na ocupação de países que não eram seus, era algo que precisávamos de contar... através da música e de uma linguagem que não fosse muito intrusiva para eles. Era importante também falar da desigualdade entre países, da divisão entre "eles" e "nós". Isso também é contado durante a narrativa do espetáculo. Vão sendo apresentados aerogramas que o público vai ouvindo, sobre a troca de cartas entre um pai, uma mãe e uma filha.

 

Então este é um espetáculo importante para as famílias.

Sim, é. A partir do feedback que temos recebido, o espetáculo é apreciado por várias gerações. Temos realizado espetáculos mais direcionados para o público mais jovem, mas também recebemos opiniões de professores, por exemplo, que querem que os seus alunos adolescentes vejam o espetáculo para se ligarem afetivamente a uma memória que já não é a deles.

O meu pai esteve na guerra colonial... a guerra, e quem tem familiares que estiveram na guerra sabe, é um assunto que não é falado em contexto familiar e acaba por ser esquecido. As pessoas precisam de ter referências e uma memória afetiva para também se ligarem a estas datas, tal como nos ligamos ao 25 de Abril. E perceber que o 25 de Abril também foi possibilitado por este grupo de forças armadas, pessoas descontentes que, de facto, contribuíram para que a revolução acontecesse.

 

A peça vai ajudar a dar outra perspetiva ao público?

Sim, vai. E vai fazer outros recordar! [risos] Principalmente aqueles que passaram por isso, que têm familiares que estiveram envolvidos nessas situações... acaba por ser uma peça muito intergeracional.

 

Como é realizar esta peça nesta altura de celebração dos 50 anos do 25 de Abril? Tem um significado especial?

Tem, claro. Primeiro, pela data. Depois, devido às gerações mais novas que não viveram essas situações. Muitas vezes é difícil para elas colocarem-se naquela época, naquele ano, e estabelecerem uma conexão afetiva que lhes diga algo. Penso que este espetáculo faz precisamente isso. É tão afetivo que cria ligações com a memória do 25 de Abril, do período da ditadura em Portugal... quase que nos transporta para lá. Para mim, é significativo porque, apesar de ter nascido depois da revolução, o tema foi sempre muito abordado em casa. O meu pai não falava sobre a guerra, mas sobre o tempo dele em Angola. Sempre consegui ter essa ligação afetiva. Mas sei que para a maioria da geração mais nova, isso não significa muito. Então, é necessário criar estes locais de memória e afeto para que as pessoas se liguem às datas e lhes deem a devida importância.

 

Como é voltar à ACERT? O que espera neste espetáculo?

Nunca apresentei nada meu, dos meus projetos, na ACERT. Portanto, vai ser muito bom.

O que apresento na ACERT nasce, na maioria das vezes, lá. Por essa razão fiquei muito contente por ter recebido este convite para apresentar esta criação ao público a quem, possivelmente, este espetáculo e a celebração do 25 de Abril dirá muito.