O projeto Próxima Cena assume como mote a universalização do acesso à cultura e prevê a circulação de espetáculos por zonas de pouca densidade populacional. Que importância tem este projeto para o tecido cultural português?

Existe ainda uma grande assimetria no acesso à Cultura e às Artes em Portugal. Ao contrário do que desejamos, o local onde nascemos, vivemos ou trabalhamos ainda pode determinar se temos oportunidade de ter hábitos culturais, acesso a museus, cinemas, teatros, bibliotecas. Esta é uma desigualdade difícil de combater porque tem menos visibilidade do que outros problemas da nossa sociedade, mas que tem consequências enormes no presente e no futuro. No D. Maria II, acreditamos que o teatro e as artes em geral são um bem essencial e deve estar acessível a todos. O BPI – Fundação La Caixa, com quem inventámos o projeto Próxima Cena, partilha desta convicção e por isso embarcámos em mais este projeto de colaboração com teatros de diversas regiões do país que vai continuar durante os próximos anos. É com particular alegria que este projeto dá os primeiros passos na ACERT, em Tondela, que consideramos um exemplo do trabalho de programação cultural de qualidade que faz falta na maioria das comunidades do nosso país.

Essa missão de levar a cultura a vários sítios é uma das funções de um teatro nacional?

Sendo um teatro nacional, o D. Maria II tem obrigações para com as pessoas de todo o território nacional. Há muitas pessoas que contribuem, com os seus impostos, para a existência do D. Maria II, mas que não têm condições para ir a Lisboa beneficiar do serviço público de cultura que temos a obrigação de lhes oferecer. Por isso, nos últimos seis anos, temos apostado em diversas formas de aproximar a nossa atividade das pessoas de todo o país. Aumentámos muito a quantidade de digressões das nossas produções e coproduções em Portugal continental e nos arquipélagos. Com o projeto Próxima Cena, que se inicia com este Pranto de Maria Parda, vamos ainda mais longe. Não apenas fazemos digressão, como passamos a criar e estrear peças fora de Lisboa. Não basta que haja oferta cultural em todo o território, é preciso que haja também criação artística mais espalhada por todo o país. A versão releitura do Pranto de Maria Parda feita por Miguel Fragata coloca esta personagem vicentina na contemporaneidade.

O que é que um texto com quase cinco séculos tem a mostrar-nos sobre o modo como vivemos hoje e nos relacionamos uns com os outros?

Uma das maravilhas dos grandes textos do passado é que têm o super-poder de nos falar de onde vimos, onde estamos e até mesmo de prever para onde vamos. Pranto de Maria Parda, escrito há cerca de 500 anos por Gil Vicente, é um desses textos. Fala de exclusão e da condição de vida dos negros portugueses no séc. XVI, mas levado à cena com os olhos e a sensibilidade de hoje, sob direção do encenador Miguel Fragata, é também uma peça sobre o modo como vivemos e um impulso para refletirmos acerca de como queremos viver.