01 ago , 1998
SÁB
fora de cena Valle Inclán Pirat

Calendarização

01 ago
sáb
1998
Portimão  (Cais Comercial de Portimão)

Valle Inclán Pirat

O barco” revelou-se uma aventura teatral criada a partir da adaptação livre de textos do autor. Toda a acção decorre a bordo de um bergantim-goleta do séc.XVIII recuperado num estaleiro da Galiza, de onde partiu até ao Algarve, an- corando, ao longo do percurso, em portos onde teatralizava assaltos piratas e aprisionava espectadores, a quem era, assim, permitido tomar contacto com a vida a bordo.

Retábulo do Amor, a suspeita, a traição, a vingança e o sacrifício

1- Houve tempo em que os mares todos eram sulcados por homens que escreveram a História com sangue e fogo:
Edward Teach, mais conhecido por Barbanegra, feroz, selvagem e peludo até ao horror, capaz de degolar uma tripulação inteira por uns poucos litros de rum.
Benito Soto, galego duro, cruel, indomável e sem escrúpulos, traficante frio e experiente de escravos, impassível ante a violência extrema e sanguinário com as suas vítimas.

2- Mas nesse tempo, esses mesmos mares também eram sulcados por homens justos, bandidos sociais que manifestavam, nos seus actos, doutrinas libertárias muito mais radicais do que o que o senso comum aconselhava. Homens em guerra com toda a gente, contra a escravatura, o servilismo, o racismo e a intolerância, que rejeitaram a nacionalidade para se converterem em índios:
Capitão Misson, fundador da Libertária, uma república corsária onde escravos resgatados, nativos, negros e mesmo galegos e portugueses eram aceites como iguais, um lugar onde não existia a propriedade privada.
Capitão Bellamy, inimigo da humanidade, príncipe livre, salteador dos ricos que roubam aos pobres ao abrigo da lei.
A Viúva Ching, que durante anos explorou as mil bocas do rio Si-Kiang, arrasando aldeias para libertar as mulheres submetidas à tirania dos seus maridos, outorgando--lhes assim a dignidade que nunca conheceram…

3- E esta é a história do Valle Inclán, uma goleta que semeou o terror da Galiza ao Caribe, arrasando, sequestrando, roubando e aniquilando indiscriminadamente qualquer forma de riqueza, defendendo o espírito corsário do anti-imperialismo e a liberdade, defendendo o espírito de tribo governada pela única lei natural da igualdade, impondo o princípio humanístico básico “dá-me que eu reparto”.
A história do Valle Inclán, república corsária itinerante, comandada por um dos capitães mais temidos e respeitados dos sete mares, uma pessoa implacável com as suas presas, sem compaixão para com os inimigos, de carácter rijo e trato áspero, mas sempre justa nas suas decisões. Uma mulher: o Capitão Pisabien.

(A cena passa-se na coberta. A tripulação diverte-se a atirar pela borda fora uns quantos inimigos acabados de capturar. O primeiro diálogo é entre o Capitão Pisabien e o capitão dos inimigos)

CAPITÃO – Não conhecem a piedade?
PISABIEN – Aprendi a piedade com os ingleses, capitão.
CAPITÃO - Arriei a bandeira pensando que me dariam quartel…
PISABIEN – Não é o primeiro inglês que pensa isso. À tábua com ele!!
CAPITÃO – God save the King!
PISABIEN – Brindemos, a ele, com água salgada.

(Atiram-no pela borda fora. Quando se preparam para atirar outro, o Capitão Pisabien detém os seus homens. É a primeira aparição do Marquês de Bradomín)

PISABIEN – Que faz esse com grilhões?
MACMIAU – Demos com ele, assim, na adega do navio.
PISABIEN – Prisioneiro dos ingleses? Vão ver que não é amigo deles. Trazei-mo. (Para o Marquês) Chamas-te?
MARQUÊS – Juan Manuel de Montenegro, Marquês de Bradomín. Não me lembro do seu nome…
PISABIEN – Sou o Capitão Pisabien.
MARQUÊS – Deveras? “Enchanté, Mademoiselle.”

(O Capitão Pisabien dá-lhe uma bofetada.)

PISABIEN – Trata-me por Capitão.
MARQUÊS – “Enchanté, Capitão.”

excerto do texto “Valle Inclán Pirata”

Calendarização

01 ago
sáb
1998
Portimão  (Cais Comercial de Portimão)

Ficha técnica e artística

Trigo Limpo teatro ACERT em co-produção com Chévere de Santiago de Compostela (Galiza)

Estreia 1 de Agosto de 1998, Cais Comercial de Portimão

Textos, estandartes e dramaturgia Chévere
Composição musical Anxo Pintos
Bandeiras, telas, armas e roupas Nico Nubiola
Contruções Trigo Limpo teatro ACERT
Director técnico Luís Viegas
Esgrima Carlos Vizcaino
Arranjo gráfico José Tavares
Produção Fernando Ribeiro
Músicos Álvaro Amigo, Alfonso Santi Cribeiro
Elenco Ana Saraiva, Anxo, Carla Torres, John Eastham, Jorge Oliveira, José Rosa, José Rui Martins, Manuel Cortés, Miguel de Lira, Patrícia de Lorenzo Xron


Sobre o espetáculo

Ideia/Literatura

Trata-se de um espectáculo de animação navegável, ultramarino e ibérico. Navegável, pela sua mobilidade sobre a água. Ultramarino, porque utiliza como suporte um barco autêntico: uma reprodução exacta de um veleiro bergantim do século XIX, que está a ser restaurado num estaleiro da Ria de Arousa (Galiza), e que será pilotado por uma tripulação formada por actores e actrizes, músicos, técnicos, escritores, realizadores e artistas, submetidos às leis sagradas da pirataria. Ibérico, porque o barco tem o nome de Valle Inclán, e o projecto é o culminar de um processo de colaboração artística iniciado há vários anos entre o grupo Chévere e a Nave de Servicios Artísticos - NASA e o grupo TRIGO LIMPO teatro ACERT, de Tondela (Portugal).

Com todos estes referentes, abordaremos a montagem de um espectáculo que ultrapassa as convenções habituais do teatro, e que penetra em territórios menos circunscritos. O barco vai funcionar, para além disso, como uma zona criativa temporalmente autónoma, com uma tripulação de artistas e técnicos capazes de gerar uma programação diversificada de actividades de animação ao ar livre, a horas diversas, com a vantagem que nos oferece a mobilidade do nosso barco, e com a peculiaridade de que muitas delas poderão ter lugar na água.

Características

O Valle Inclán Pirata é um projecto artístico que trata de desenhar um mapa que mantenha uma escala 1:1 com o território explorado, isto é, trata de criar um enclave de liberdade artística total, que ocupa no mapa o espaço de um vale. Desenhar um mapa que inclua os nossos desejos. Tratar de fazer algo que os miúdos possam recordar toda a vida.

Ao utilizar um barco como suporte material do nosso espectáculo, estamos a criar, de alguma forma, uma utopia artística, para o que iremos recriar e apropriar-- nos dos elementos que deram forma às utopias piratas dos séculos XVII e XVIII:

  • o barco como negação do território, um espaço de um vale no mapa, a autêntica república dos corsários;
  • A temporalidade da utopia;
  • a reivindicação do índio, o fazer-se nativo, o solicitar do reconhecimento como tribo, como tropa ou bando, como forma de rejeitar toda a nacionalidade, de aceitar toda a gente por igual, artistas e não-artistas, como modo de estar em guerra com todo o mundo.

Mobilidade máxima como táctica de desaparecimento: a desaparição do artista-estrela, a reivindicação do artista anónimo face ao espectador anónimo, como forma de eliminar as barreiras entre o artista e o utilizador da arte. O barco traz esta mobilidade ao espectáculo, que não tem que ser anunciado para uma hora e lugar determinados, antes pode ser apresentado sem aviso prévio, e conta, sem mais, sedutoras mentiras que se tornam realidade.

Estratégias de produção: numa sociedade do espectáculo, em que o ócio e a cultura são produtos de consumo que têm um valor comercial, como se fossem sedas, especiarias, azeite, metais preciosos ou pólvora, iremos utilizar excedentes da sobreprodução cultural para subsistir como artistas criadores, da mesma maneira que a economia tradicional da pirataria se servia de outro tipo de excedentes de sobreprodução.

Tácticas parasitárias de intervenção artística: aproveitaremos acontecimentos e situações da vida quotidiana para realizar as nossas acções artísticas. Por exemplo: um dia de sol, festivo, a malta vai toda para a praia, e nós apresentamo-nos na praia para actuar. Outra: Rio Tejo, barcos que cruzam o rio transportando gente, e nós acompanhamos a travessia com as pessoas que sobram.

Espectáculo como travessia, como viagem: recolhemos ideias como o vagabundear de Nietzsche, ou a deriva situacionista, ou queremos mesmo inventar tudo aquilo que Pessoa imagina, quando se põe a contemplar os barcos que entram, passam e saem de Lisboa pelo Tejo (Ode Marítima).

De Valle Inclán recolheremos o esperpento, grotesco, a brincadeira, o sarcasmo, a burla, a mueca, o feio na configuração dos personagens que integram a tripulação deste espectáculo.

Texto de apresentação
“Que vão para o diabo todos os que se submetem ao governo das leis que os ricos criaram para sua própria segurança, e para o diabo contigo que os serves, e com a tua tropa de cabrestos de coração de galinha. Eles fazem de nós vilões, esses infames, quando só existe esta diferença: eles roubam os pobres sob a cobertura da lei, certamente, e nós saqueamos os ricos sob a protecção do nosso próprio valor. Tu és um vilão de consciência diabólica, eu sou um príncipe livre, e tenho tanta autoridade para fazer a guerra contra o mundo inteiro, como aquele que tem uma armada de cem navios no mar, e um exército de 100.000 homens em terra.

Não preferes converter-te num de nós, em vez de andares para aí ao Deus dará, atrás desses vilões, em busca de prebendas?”

Capitão Bellamy
Construir o teatro como espaço aberto, tendo o horizonte como pano de fundo, o mar como palco, o texto como aventura. Abordar o público no seu território, criando uma zona de acção temporalmente autónoma. O Valle Inclán Pirata é um cenário flutuante, dirigido pela gente do Trigo Limpo (Portugal) e Chévere (Galiza), para o saque teatral da costa atlântica da Península Ibérica. Um espectáculo anfíbio, navegável e nómada, que se apresenta sem aviso prévio, passa e conta sedutoras mentiras que se tornam realidade.

O Barco
(…) As apresentações desenrolam-se a bordo de um veleiro bergantim do século XIX, atracado no cais da Expo. Composto por 3 acções, o espectáculo processa-se por três etapas distintas.

A primeira acção consiste numa visita ao barco pirata, para um primeiro contacto com a embarcação e em que serão distribuídos vários adereços tipicamente piratas. Depois de iniciados os aspirantes a piratas transformam-se em legítimos membros da tripulação, provando a sua fidelidade através da entoação de um hino pirata.

A segunda acção divide os visitantes em vários grupos que se devem organizar para encontrar um tesouro escondido, seguindo as preciosas indicações contidas num mapa distribuído no início da aventura. A busca estende-se ao recinto da exposição.

Para finalizar será mostrado o “Retábulo do Amor, a Suspeita, a Traição, a Vingança e o Sacrifício”, que termina com uma simulação da destruição do barco…

Isabel Infante, Diário Económico, 10-8-98

Características
O Valle Inclán Pirata é um projecto artístico que trata de desenhar um mapa que mantenha uma escala 1:1 com o território explorado, isto é, trata de criar um enclave de liberdade artística total, que ocupa no mapa o espaço de um vale. Desenhar um mapa que inclua os nossos desejos. Tratar de fazer algo que os miúdos possam recordar toda a vida.

Ao utilizar um barco como suporte material do nosso espectáculo, estamos a criar, de alguma forma, uma utopia artística, para o que iremos recriar e apropriar-- nos dos elementos que deram forma às utopias piratas dos séculos XVII e XVIII:

  • o barco como negação do território, um espaço de um vale no mapa, a autêntica república dos corsários;
  • A temporalidade da utopia;
  • a reivindicação do índio, o fazer-se nativo, o solicitar do reconhecimento como tribo, como tropa ou bando, como forma de rejeitar toda a nacionalidade, de aceitar toda a gente por igual, artistas e não-artistas, como modo de estar em guerra com todo o mundo.

Mobilidade máxima como táctica de desaparecimento: a desaparição do artista-estrela, a reivindicação do artista anónimo face ao espectador anónimo, como forma de eliminar as barreiras entre o artista e o utilizador da arte. O barco traz esta mobilidade ao espectáculo, que não tem que ser anunciado para uma hora e lugar determinados, antes pode ser apresentado sem aviso prévio, e conta, sem mais, sedutoras mentiras que se tornam realidade.

queremos mesmo inventar tudo aquilo que Pessoa imagina, quando se põe a contemplar os barcos que entram, passam e saem de Lisboa pelo Tejo (Ode Marítima).

De Valle Inclán recolheremos o esperpento, grotesco, a brincadeira, o sarcasmo, a burla, a mueca, o feio na configuração dos personagens que integram a tripulação deste espectáculo.

 

Texto de apresentação

“Que vão para o diabo todos os que se submetem ao governo das leis que os ricos criaram para sua própria segurança, e para o diabo contigo que os serves, e com a tua tropa de cabrestos de coração de galinha. Eles fazem de nós vilões, esses infames, quando só existe esta diferença: eles roubam os pobres sob a cobertura da lei, certamente, e nós saqueamos os ricos sob a protecção do nosso próprio valor. Tu és um vilão de consciência diabólica, eu sou um príncipe livre, e tenho tanta autoridade para fazer a guerra contra o mundo inteiro, como aquele que tem uma armada de cem navios no mar, e um exército de 100.000 homens em terra.

Não preferes converter-te num de nós, em vez de andares para aí ao Deus dará, atrás desses vilões, em busca de prebendas?”

Capitão Bellamy

Construir o teatro como espaço aberto, tendo o horizonte como pano de fundo, o mar como palco, o texto como aventura. Abordar o público no seu território, criando uma zona de acção temporalmente autónoma. O Valle Inclán Pirata é um cenário flutuante, dirigido pela gente do Trigo Limpo (Portugal) e Chévere (Galiza), para o saque teatral da costa atlântica da Península Ibérica. Um espectáculo anfíbio, navegável e nómada, que se apresenta sem aviso prévio, passa e conta sedutoras mentiras que se tornam realidade.

A construção deste barco foi concebida originariamente como

réplica de um bergantim-goleta, embarcação habitualmente utilizada durante os séculos XVIII e XIX para a pesca e o transporte de mercadorias. Uma companhia inglesa adjudicou a sua construção a um estaleiro do norte de Espanha, com o objectivo de realizar um projecto de reconstrução de diversas embarcações de época. No entanto, não foi possível concretizar este projecto.

Há um ano, o barco foi adquirido, em avançado estado de degradação, pela companhia galega “Guindamaina S.L.”, com a intenção de concluir a reconstrução desta embarcação.

Nos dois últimos séculos de navegação à vela, o tipo normal de goleta era um barco de dois mastros. O da popa, o maior, constava de um mastro “macho” e “masteleiro”. O aparelho do mastro “traquete”, situado mais à proa, variava, e disto dependia o nome do barco; assim, por exemplo, ao aparelhar-se com velas quadradas, a embarcação recebia o nome de bergantim-goleta.

Muito poucos sobreviveram ao passar dos tempos, não obstante a numerosa frota com que contavam os nossos portos, e de que hoje só encontramos existência em arquivos.

O Valle Inclán, reconstruído tal e qual como seria um barco dessa época, pretende não deixar no esquecimento toda uma tradição existente, ao longo dos anos, no nosso litoral.

Características do barco:

Envergadura: 24 m.

Envergadura total (incluíndo gurupés): 32 m. Boca/Calado: 6.30 m.

Casco forrado em teca sobre vigamentos de carvalho Altura dos mastros: 25 e 24 m.

Superfície vélica: 350 m2 Motor: Pegaso 300 CV

Motor auxiliar: MWM 50 CV (30 KW)


Galeria de Imagens