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Silka
É com “Silka”, primeira produção profissional do grupo, que se atinge uma maturidade equilibrada em termos da criação - os resultados da adaptação teatral do texto de Ilse Losa correspondem teatralmente aos objectivos do espectáculo; o equilíbrio e a novidade do trabalho de construção dos personagens atinge notoriedade, pela identidade do trabalho dos actores; a cenogrifia experimenta códigos de expres- são criativos, e de grande funcionalidade cénica; a música estabelece pontes sugestivas de suporte à dramaturgia.
O texto surge como uma primeira respiração. A arte do actor consistia em querer igualar-se ao autor com disfarces respiratórios que, por instantes, se identificassem com o sopro criador.
Esta produção, feita sem qualquer subsídio, é apresentada em digressão por todo o país, e permite ao pequeno núcleo de criadores manter o projecto profissional, e projectar o trabalho do grupo junto de novos públicos.
Com esta produção atinge-se o recorde de apresentações. Sendo um espectáculo pensado para responder a um público juvenil, vem a verificar-se uma forte adesão do público adulto, que se identifica com o sentido poético do conto, e com a forma despojada com que o mesmo é contado.
Esta produção assume contornos muitos particulares e marcantes, já que se desenvolve, de forma pio- neira, em associação íntima com a criação do NERC – Núcleo de Estudos e Recursos Culturais. Pela primeira vez, na ACERT, encarava-se a perspectiva de um trabalho de aprofundamento profissional da criação artística. Foi este sector de trabalho que, para subsistir autonomamente, se estabeleceu em vários domínios de trabalho: construção de espaços e equipamentos culturais, serviços gráficos, formação…
Cadernos de Teatro/ACERT
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Ficha técnica e artística
Estreia: 8 de Dezembro 1989
Espaço Cultural ACERT, em Tondela
Texto: sobre um conto de Ilse Losa
Adaptação e encenação: José Rui
Cenografia: José Rui e José Tavares
Música: Carlos Clara Gomes Eduardo Aurélio
Figurinos: Fernando Ribeiro Manuela Reis
Adereços: António Lameiro Francisco Pereira
Luz e som: José Manuel Monteiro Luis Carlos Coimbra Nuno Café
Piano “sampler” e programação: Carlos Clara gomes e Luís Pina
Traduções e revisões: Rui Café
Fotografia: Carlos Teles
Secretariado: Luís Carmo
Produção: Paula Torres
Elenco: Carlos Silva, Carla Torres e José Rui
Galeria de Imagens
Excerto do Texto
I
OUTRO I – “Como terão estas árvores vindo parar aqui, a este monte abandonado?”
MENINA – Foi esta a pergunta que fiz, de mim para mim, quando ouvi um fio de voz:
Velho I – Belas árvores, não são?
Menina – (Admirada com o aparecimento do velho) São belas, sim. Mas acho estranho vê-las aqui, e serem cada uma de sua espécie.
Velho I – (Percorre o espaço até às casas) E não estranha também aquelas casas, sem portas e sem janelas?
Menina – (Faz primeiro sinal afirmativo. Depois começa a falar) Respondi que sim, que elas me tinham surpreendido, e que o mar se enfurecera quando eu quisera entrar numa delas.
Velho I – Não me admiro. O mar vigia-as com rancor, pois certo dia viu todos os habitantes fugirem delas, apavorados, para nunca mais voltarem.
Menina – Mas porque é que fugiram?
Velho I – (Dirige-se ao monte, junto às árvores.) Porque viram o mar tingir-se de sangue, da mesma cor das folhas da faia.
É uma história longa… (...)
IX
Velho II – (Em direcção a Velho I. Aproxima-se e fazem movimentos simétricos.) Silka compreendeu que, para ela e para os filhos, não havia mais amigos, nem na terra nem no mar.
Velho I – Silka subiu o monte com os rapazes, e deitaram-se no chão, esperando que o sol de novo se levantasse no Oriente.
Velho I e II – E quando isso se deu, Silka viu que o mar continuava vermelho de sangue, e que os habitantes da aldeia tinham fugido, horrorizados.
Silka – Meus filhos, mataram o vosso pai. As ondas estão manchadas de sangue. Fiquemos aqui, de onde podemos olhar o mar, que durante tanto tempo foi a nossa casa. (Beija os pedaços de fruto, os filhos, que tem na mão e desaparece. Continua o jogo dos dois velhos)
Velho I – Depois soltou um grito, tão agudo, e de tanta mágoa, que foi ouvido nas aldeias mais distantes.
Velho II – Pediu aos filhos que se colocassem diante dela, o mais novo no meio.
(Menina do início aparece junto das árvores e continua)
Menina – E então transformou-os em três árvores… e o senhor, quem é?
Velho I – Oh, eu? Não passo de um velho pescador, que já não seve para andar no alto mar, mas que tem tantas saudades dele, como Silka e seus filhos.
Menina – E esta história , quando se passou?
Velho I – Passou-se no tempo em que os velhos que a contavam eram ainda crianças.
Diziam que, quando Silka soltou o grito agudo, as ondas enfurecidas se calaram de espanto, e os homens das aldeias em redor pararam nos seus afazeres, e murmuraram:
Velho II – “É grito de amor e de morte”. (…)
excerto do texto “Silka”