18 dez , 1976
SÁB
fora de cena O Povo Acordou Trigo Limpo teatro ACERT
18 dez , 1976
SÁB

fora de cena

Calendarização

18 dez
sáb
21:00
1976
Tondela  (Ginásio da Escola Preparatória Cândido de Figueiredo (Antigo Colégio Santa Maria, actual sede da ACERT))

O Povo Acordou

Trigo Limpo teatro ACERT

O primeiro espectáculo, “O Povo Acordou”, escrito colectivamente, limitou-se a projectar num texto as realidades de que cada um tinha conhecimento, e que se tornava urgente denunciar. As sessões decorriam como um comité de bairro, discutindo os problemas que a todos afligiam. Distribuíam-se personagens segundo a fisionomia e a proximidade real com o papel. O cenário era dividido - de um lado o campo, do
outro a fábrica. No segundo acto, o largo da aldeia onde todos se juntavam para discutir os seus problemas…
As personagens eram tratadas, ora com realismo, ora como caricaturas. O texto contrastava com diálogos da vida comum, com tiradas poéticas do universo do que se lia e gostava—Jorge Amado, Gorki, Soeiro Pereira Gomes…

A estética do espectáculo representava um desconhecimento de referências técnicas, antes se situando num conhecimento empírico do que se desejava. A música, fortemente inspirada por um “compositor revolucionário” (Tino Flores), ampliava-se nas letras, que se adaptavam para corresponder a nova dramaturgia.

Éramos quase quarenta. Uns saíam de Tondela, a pé, quer chovesse ou não, e discutiam pelo caminho como iria ser o espectáculo. Outros saíam dos seus empregos, comiam à pressa, e disciplinavam os ensaios, pois no dia seguinte, às sete da manhã, era dia de “pica-bois”.

Aprendia-se com quem trabalhava os segredos da disciplina útil, do esforço e da dignidade. Ouvia-se a história de quem resistia  às pressões sofridas no emprego, e não desistia, projectando tudo isso na convicção com que defendia aquele sonho.

Nos espectáculos, perante as situações retratadas, tanto se via o encolher e o olhar para o chão daqueles a quem tinha sido metido medo, como se ouviam frases de apoio aos personagens mais combativos - “assim é que é! Não tenhas medo!”, gritavam.

Era um tempo em que a receita de bilheteiras revertia directamente para um melhoramento local. Foram os tanques em Molelos, o fontanário que faltava, a Comissão de Melhoramentos de Tonda… Por vezes, não só se representava, como se pegava em enxadas e se ia ajudar ao trabalho, pois quem falava tinha que dar o exemplo.
Percorreram-se aldeias, e foi-se a Lisboa, à Academia Recreativa de Santo Amaro. Pela primeira vez via-se uma teia, varas, projectores. Até aí, tinha-se feito tudo de forma caseira: cenários em papel que se ia buscar à fábrica do Covêlo, na Estação, restos de tinta, latas do óleo com lâmpadas e celofane.

Começou a ensaiar-se no ginásio da Escola Secundária (hoje Novo Ciclo ACERT). Tudo corria muito rápido - escrevia-se um quadro para cada situação em que se actuava. Uns dias antes,fazia-se o levantamento da situação. Criava-se o envolvimento dramático, desenvolvia-se a narração, distribuíam-se os personagens
e improvisava-se. Tudo isto dava muito traquejo aos actores, e confiançaa no que se poderia ainda melhorar.
A mudança do local de ensaios para Tondela afasta naturalmente alguns dos elementos de Molelos - a distância, o aumento das responsabilidades no trabalho e na família, impunham-se…

No primeiro espectáculo de criação colectiva, participam cerca de 40 elementos, tendo o trabalho sido desenvolvido em ligação estreita com a freguesia de Molelos.

Calendarização

18 dez
sáb
21:00
1976
Tondela  (Ginásio da Escola Preparatória Cândido de Figueiredo (Antigo Colégio Santa Maria, actual sede da ACERT))

Ficha técnica e artística

ESTREIA: 18 de Dezembro de 1976
Ginásio da Escola Preparatória Cândido de Figueiredo (Antigo Colégio Santa Maria, actual sede da ACERT), Tondela

Texto e encenação: colectivos
Participantes: Albertino Gonçalves Dias, Alberto Nunes, Alberto Gomes Rodrigues, Antero Marques, António Manuel Amaral, António Marques Dias, António Martins, António Sérgio Ferreira, Carlos Teles, Celso Coimbra, Cid Morais Ferreira, David Coutinho, Eduardo Coelho, Élio Antunes, Elisa Matos Rodrigues, Elísio Matos, Emília Matos Rodrigues, Humberto Silva, Idalina Matos Rodrigues, Jacinta Azevedo, João Almiro, José Carlos Santos, José Manuel Lemos, José Rui, José Tomás, Judite Maria Matos, Júlio Marques Rodrigues, Lúcia Azevedo, Luís Mendes, Luís Filipe Rocha, Luís Matos Rodrigues, Margarida Abreu, Margarida Teles, Maria Celina Matos, Mário Marques da Silva, Rosa Melo, Silvino Coimbra e Vítor Manuel.


Excerto do texto

1º acto; cena da fábrica

NANDO – Ó Toino, dá cá a lima
TOINO – Toma lá, pá.
NANDO – Isto é que é uma esfrega, ah?… Lima aqui, lima acolá e ainda por cima aparece aqui aquele lambisgóia do Zequinha a fazer pouco do nosso trabalho.
DANIEL – E o mais bonito é que esse gajo nem sequer sabe pegar numa lima.
JACINTO – Eh, pá!… falem mais baixo que o Zequinha ainda aí aparece…
TOINO – Isso é que era bom... só faltava agora que não nos deixassem falar à vontade. Nós aqui a fossar de manhã à noite, pá, e o que faz o patrão e o Zequinha?
(…)


cena do campo

TI ZÉ DA AMÉLIA – Eh! Lurdes! Chega aí o tinente. Já que não há auga,
ao menos molha-se o bico. (Mete o garrafão à boca) É pena que isto não dê para a rega.
TOINO DA RIBEIRA – É verdade Ti Zé, cada vez há menos áuga.
LURDES – Vejam lá que ontem estive na fonte quase duas horas para encher um regadorzito. Aquilo corria um fiozito que até metia dó.
TOINO DA RIBEIRA – Anda lá que qualquer dia ainda te sai de lá um sapo.
JOAQUIM – Mas olhem que os Mendonças, esses, não têm falta de água. Até a têm para regar as florzinhas e lavar o cu ao Lulu.
(…)


3º Acto

TI ZÉ DA UVA – Então andaram à porrada lá na Junta? Contem lá, o
que é que deu a conversa?
JOAQUIM – Não foi preciso porrada, Ti Zé! A vontade do povo via-se nas caras, nos olhos, nos pés firmes sem arredar dali. E isso tem muita força. Os gajos perceberam que a gente não lhes ia fazer uma visita, nem estávamos ali a brincar.
TOINO – A gente dissemos-lhe que apesar da ignorância em que vivemos para meia dúzia de engravatados, como eles, poderem viver sem fazer nada, inda sabemos ver que lá fora está escrito Casa do Povo; é isso mesmo que queremos. Que seja o povo a decidir do destino a dar-lhe. E a servir-se dela para aquilo de que temos mais necessidade.
De hoje em diante reunimos na Casa do Povo onde temos a luz qu’inda nos falta nas nossas casas.
(…)
TI ZÉ DA AMÉLIA – Mas, ó Zé, já sabes o que se passou na Junta?
TI ZÉ DA UVA – Vá, então conta lá tudo.
TI ZÉ DA AMÉLIA – Olha, até me faz lembrar o tempo da guerra. Estávamos lá todos e tiveram mesmo que vir falar co’a gente.
TI ZÉ DA UVA – Mas o que é que eles disseram?
TI ZÉ DA AMÉLIA – Primeiro que desembuchassem foi um cabo dos trabalhos.
Nem diziam coisa com coisa tal era o medo que eles tinham, Ah, Ah!
JOAQUIM – Foi mesmo, mê pai. Eles viram que ninguém arredava pé dali e não tiveram outro remédio senão concordar.
TOINO – Concordar, concordam. Mas nós também lhes provámos que não vamos ficar só com promessas
TI ZÉ DA UVA – Então o que é que fizeram?
TOINO – Organizámo-nos, ora essa. Olhe, prá luz ficou o Toino da Ribeira e o Daniel de saberem lá na Companhia quando começam o trabalho, e não largam a Junta enquanto cá não houver luz.
JOAQUIM – Pr’ós caminhos e para ir falar com a empresa das camionetas, ficou encarregado o Nando. Vamos lá a ver se temos em breve melhores camionetas que venham cá mais vezes e não só nos dias de feira.
ARMINDA – O Jacinto e o Ti Manel da Mata ficaram de tratar do problema da água e ver onde se podem construir os lavadouros pois que são bem precisos.
TI ZÉ DA UVA – Valentes rapazes! Vocês conseguiram fazer um bom trabalho. Mas como é que a gente sabe como correm as coisas?
TOINO – Pr’a isso é que temos a sala da escola, na Casa do Povo, para fazermos as reuniões todas as semanas ou de 15 em 15 dias.
TI ZÉ DA AMÉLIA – Vês, Zé, era isto que a gente já devia ter feito há mais tempo, hã, e é desta que a gente aprende a ler as pretas e deixar as brancas…
TODOS – Está mais que visto e provado que a união faz a força.

Excerto do texto “O Povo Acordou”


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