25 jun , 1988
SÁB
fora de cena A Mar Mulheres Trigo Limpo teatro ACERT
25 jun , 1988
SÁB

fora de cena

Calendarização

25 jun
sáb
1988
  (Tondela)

A Mar Mulheres

Trigo Limpo teatro ACERT

O espectáculo “A Mar Mulheres” constitui um interessante desafio artístico na vida do Trigo Limpo no campo dramaturgico. É explorada a dialéctica dos textos, a sua interligação autónoma na narrativa. São experimentadas formas de representação específicas para cada um dos autores, ligadas por música concebida e interpretada ao vivo por orquestra.

Os personagens são tratados, estética e formalmente, de forma surrealista para corresponderem a situações ficcionais decorrentes em universos distintos.

O estudo cenográfico incide numa abordagem reflexiva da arquitectura de cena pensada de modo a corresponder simbolicamente às distintas cenas.

A caracterização foi outro dos elementos explorados nesta produção, e procurou-se ampliar os resultados cénicos, pelo recurso à utilização da caracterização, enquanto elemento de suporte e enriquecimento da atmosfera teatral.

O elemento experimentalmente mais rico deste trabalho foi o cruzamento de linguagens cénicas, que permitiu projectar o grupo para novos etapas de desenvolvimento estético, assim como possibilitou o fortalecimento de dramaturgias concebidas especificamente em relação com as etapas de pesquisa e de inovação artística do grupo.

Calendarização

25 jun
sáb
1988
  (Tondela)

Ficha técnica e artística

Estreia: 25 de junho, Espaço Cultural ACERT, Tondela

Dramaturgia sobre “Maria Emília” de Alves Redol e adaptação teatral de Jorge Amado e Gabriel Garcia Marquez
Adaptação e encenação: José Rui
Cenografia: colectiva
Estudo cenográfico e direcção de montagem: João Igrejas
Carpintaria de cena: António dos Santos
Estruturas: Vasco Geraldes
Música / músicos: Aníbal Pires, Carlos Clara Gomes, Eduardo Aurélio e Vítor Rodrigues
Figurinos: Manuela Reis adereços, Ana Mamede, António Lameiro e Francisco Pereira
Maquilhagem: Cecília Lapa, Luis Carlos Henriques
Produção: João Madeira
Secretariado: Goretti Figueiredo
Fotografia: Carlos Teles
Cartaz: José Carretas
Montagem gráfica: José Paiva
Elenco: Ana Saraiva, Carla Torres, Carlos Silva, Élio Antunes, João Almiro, José Rui, Luis Carmo, Luis Melo, Nuno Café, Paula Torres, Paulo Coimbra, Pedro Marques e Raquel Costa.


Excerto do Texto

LUA NOVA – Não te sucede, às vezes, pressentires o que vai acontecer? (Maria Emília acena a cabeça) É como eu com o barco e o Mar. Quando há um cabeço novo de areia ou se aproxima um temporal, sinto um formigueiro na pele.
MARIA EMÍLIA – Adivinhas…
LUA NOVA – Mais ou menos. também não adivinho mais nada, diga-se a verdade. (Como se falasse sozinho) O barco faz parte do meu corpo; é como um coração de vidro que sai de mim e onde embarco quando viajo. Dentro do meu barco sou um homem livre; sonho no que quero. Uma tarde de Maio, vinha eu no Gaivota, mesmo defronte do esteiro do Ruivo, o Sol desceu de repente e deitou-se em cima do Tejo. Nunca me aconteceu coisa igual… Parecia que o Sol queria dormir ali e se despia e que me atirava para cima dos ombros com os seus vinte mantéus que ia despindo. Nunca nenhum homem se vestiu como eu nessa tarde. Primeiro uma túnica de oiro toda cheia de lumes que ficou encharcada de água verde, oiro e verde; fechei os olhos, tonto, e quando os abri, não estou a fantasiar, não, não estou, tinha-me enrolado num gabão azul de mar e céu, as mãos azuis, a vela branca de azulóio, e mil cores a correrem no Tejo como peixes de luz, todos esquivos. E então eu gritei qualquer coisa, ou talvez só gritasse dentro de mim, com um desses gritos que rasgam a gente e mais ninguém ouve. O meu grito rebentou em sangue, acho eu, e tudo se pôs vermelho, tão vermelho que o Sol veio do fundo das águas e logo se misturou numa tinta de laranja, foi então que veio um golpe de vento, e o barco fugiu, quase voou, para de repente entrar num túnel que depois parecia uma árvore roxa carregada de botões presos ao novo gabão dos meus ombros, ou a mim mesmo. Quando mais tarde a proa do barco entrou na noite, entre o silêncio e o meu espanto, parecia que lavrávamos o Mar com asas de pássaros.
MARIA EMÍLIA – Nunca me falaste disso, António Lua Nova.
LUA NOVA – Não, nunca o disse a ninguém…
MARIA EMÍLIA – Nunca andaste noutro barco tão airoso como esse…
LUA NOVA – Tu foste lá algumas vezes; ainda te lembras?
MARIA EMÍLIA – Não fales nisso.
LUA NOVA – Magoa-te a lembrança, bem sei. E tens razão. Todo o mal da tua vida, que não é pouco, fui eu que to dei.
MARIA EMÍLIA – Não digas isso.
LUA NOVA – Porquê?
MARIA EMÍLIA – Custa-me ouvir-te.
LUA NOVA – Porquê?!…
MARIA EMÍLIA – Lembras-me a rapariga que já fui. embora nem eu própria me reconheça quando me olho nos vidros das portas. (…)

excerto do texto “A Mar Mulheres”


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