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A Lua É Um Olho Preto
“A lua” sequencia um trabalho de descoberta de dramaturgias baseadas em textos literários com forte carga teatral e poética. Decorreu da experimentação da relação entre a narrativa distanciada e uma contracena projectada em tempos distintos na interpretação.
As situações de envolvimento e descodificação teatral tiveram como processo de trabalho de interacção do actor com o espaço, e a relação com impulsos dramáticos das acções e jogos dramáticos que inventava.
Os afectos, paixões e sentimentos percorriam as situações dramáticas, e conjugavam-se com uma iluminação, cenografia e música, que requeriam do trabalho de actor uma autenticidade marcada pelo confronto dialéctico entre o que se apresentava como verdadeiro e o que realmente identificava a personagem interiormente.
A música, concebida especialmente para o espectáculo, tem um papel primordial, propondo aos actores desafios importantes na área rítmica e interpretativa.
Este espectáculo valeu a Raquel Costa o Prémio de Melhor Interpretação Feminina do Festival Internacional de Teatro de Portalegre – 1997.
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Ficha técnica e artística
Estreia 1 de Maio 1997
Auditório 2, Novo Ciclo, Tondela
Texto e encenação José Rui Martins
A partir de um conto de Isabel Allende
Cenografia André Purvin e José Tavares
Música Fran Perez
Letras Carlos Santiago, José Rui Martins e Pepe Sendón
Figurinos José Rosa
desenho de luz, sonoplastia e direcção técnica Luís Viegas
Actores (voz - off) Carlos Silva, Marta Costa, Miguel Torres, Paula Torres, Pompeu José e Rui Ribeiro
Desenho gráfico e diapositivos José Tavares
Fotografia Carlos Teles
Apoio técnico Anatol Waschke
Músicos (estúdio) Adelino Soares, Augusto Cameirão, Carlos Clara Gome,s Carlos Peninha, Fran Perez Marcos Teira e Pepe Sendón
Engenheiro de som Fernando Rangel (estúdios Fortes – Rangel, Lda.)
Carpintaria de cena Sílvio Neves
Ajudante de carpintaria Silvério Carvalho
Costureira Felicidade Café
Produção Fernando Ribeiro
Secretariado Marta Costa
Contabilidade Fausto Gomes
Tesouraria Irene Pais
Traduções Rui Café
Apoio na cenografia e adereços Joaquim Rosendo, Lizete Lemos, Paula Conceição, Paulo Leão e Sílvia Borges
Cabeleiras e postiços Vítor Manuel e M. Rolo
Serigrafia Paulo Leão
Elenco Carla Torres, José Rosa, José Rui, Luís Viegas e Raquel Costa
Reposição em 19 de Outubro de 2001, em Águeda
Texto do encenador
De há muito que a autora, Isabel Allende ocupava a fila da frente da minha colecção de “amuletos”, daqueles que se guardam bem à vista, que se querem ter sempre ali, a remirar-nos, ao mesmo tempo que nos vão moendo o consciente e espevitando memórias.
São estes sinais, estas memórias, enquanto ficheiros de prazeres, que nos vão mantendo inquietos. Primeiro, lêem-se os textos de passagem, ávida e naturalmente, como alimento que renova em nós sentires e sentidos, disponibilizando-nos para receber, com a necessária fantasia, a crueldade com que cada passo do quotidiano se nos apresenta. Depois, há esses instantes, breves, em que damos por nós a mastigar leituras de um autor que, por magia, se transforma em fazedor de imagens teatrais, em feiticeiro construtor de personagens, momentos e sentires que o palco reclama...
Foi isto que Isabel Allende nos proporcionou, com os seus “Contos de Eva Luna” - a magia da narrativa, o teatro disfarçadamente escondido no desenho das situações e emoções. A ousadia de, ao jogar com o “simples”, nos projectar para imaginários de múltiplas cores e palavras.
O momento torna emergente o reconhecimento do destino, embora provoque em nós a indecisão da escolha do meio de transporte a adoptar, das características do terreno a percorrer, e dos apeadeiros para reabastecimento, no trilho para a aventura que se pretende viver. No entanto, e para todos os efeitos, tínhamos a certeza de que a paixão e autenticidade com que desejávamos palmilhar o caminho até ao destino se sobrepunham, sempre, às contrariedades. E pensámos:
- Quem somos nós, afinal, para optar pelo fácil, não correr riscos, quando a autora nos dá, como presente, algo carregado de tão ardentes desafios?
Avançámos, então, com a sensação de quem, apaixonada e empenhadamente, vai tentar traduzir, com a maior autenticidade, os sinais deliciosos que um dos contos de Eva Luna em nós continuadamente produziam. O contacto directo com a autora aguçou o apetite. Quando lhe dissemos que pretendíamos navegar livremente no seu conto, renovou-nos a ousadia e, tal como Mia Couto, partilhou connosco a sua “propriedade”, com o saber e o sabor de quem nos conquista.
O ardente empenho dos actores, a forma como descobriram os segredos que esta proposta continha - revelando-os -, a atitude comprometida que assumiram, de modo a fazer andar este carrocel, demonstram-me que o teatro é, cada vez mais, o sonho partilhado, o actor vivendo a sua arte. Foi o prazer com que se deram à aventura de criação que permitiu transformar intenções em gestos, personalidades, e jogos teatrais carregados de suas intimidades. Foram segredos trocados com paixão que fizeram soltar os esboços traçados da adaptação - sempre feita a
Como diz a nossa Eduarda Dionísio: “Fazer teatro como quem vive, e não viver como quem faz teatro”. E há a cenografia, que o José Tavares partilha com o Andrew Purvin, e a sua mão, desenhando o espectáculo ao ritmo dos ensaios.
E há a música do Fran Perez, que os nossos músicos, com os do Chévere, executam. E há sempre muitos outros:
- Na ACERT, o sentimento solidário, que nos envolve com prazer;
- Nos percursos que a itinerância, o intercâmbio e as cumplicidades continuam a alimentar;
O espectáculo foi idealizado antes do triste “espectáculo” que, dia após semana, tem vindo a ser o da perseguição à etnia cigana, em que é evidente a necessidade de encontrar um “bode expiatório” para situações cujos verdadeiros protagonistas são tubarões nacionais e internacionais... Os quais, por maior dificuldade de acesso e visibilidade, vão ficando na sombra, a rir, a facturar e, quem sabe. sustentando as divisões entre cidadãos...
Ainda que a razão directa da nossa escolha temática não advenha dos acontecimentos recentes, sentimos que se este espectáculo contribuir para sublinhar o direito à diferença, o nosso desejo de perseverar no caminho de uma cultura que será tanto mais rica quanto mais souber preservar, com identidade, todas as formas distintas e diversas teremos cumprido a nossa obrigação/desejo.
Por mais que se tente ignorar ou desmentir, os ciganos e a sua cultura marcam, decisivamente, a forma de estar dos portugueses, e assumem-se, de forma natural, como parte da nossa cultura. Por tudo isto, este espectáculo constitui, também, uma modesta mas verdadeira e sentida homenagem aos nossos ciganos.
Estamos felizes. Desejamos partilhar essa felicidade com esta nossa LUA nos vossos OLHOS
José Rui Martins