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Rita Rainho e Maria Catarina
“Quando o algodoeiro te responde em silêncio”
Rita Rainho
O que significa escutar de corpo inteiro? E se a escuta não fosse privilégio dos ouvidos, mas uma habilidade sensorial que toca a pele, os ossos, o tecido das relações humanas e mais que humanas? Nesta exposição, somos convidadas a participar de uma sólida relação construída entre a artista Rita Rainho e os algodoeiros, cultivados, semeados e cuidados a partir da ação do coletivo Neve Insular com a Associação Agropecuária do Calhau e Madeiral. Uma conexão que atravessa limites sensoriais e discursivos, um diálogo íntimo entre arte, vegetação e memória. Por meio do algodão e de suas histórias, a artista nos instiga a perceber o que a escuta atenta do sutil silêncio de uma planta tem a nos revelar. Uma experiência onde o silêncio se revela tão expressivo quanto o som, e o invisível se torna tangível, transformando a escuta em um ato de união com os saberes que habitam sob a terra. A terra de Cabo Verde na pintura de Júlio Resende é ainda terra de Cabo Verde décadas depois? E a que acabou de chegar? É daqui, agora? Esses escassos centímetros de solo, esse vestígio, esse passado, a bagagem que guarda em seu silêncio, os fantasmas que revela entre as sombras, o que te dizem? O que você responde quando o algodão te pergunta entre histórias e ruídos? A exposição nos convoca à escuta como um ato de resistência, um gesto político e poético de reconexão com aquilo que nos constitui enquanto humanos – e mais do que humanos. As obras convidam-nos a ultrapassar a superficialidade do som para ouvir além dos ouvidos: o que diz o algodão, o que sussurra a terra, o que grita o silêncio. Nesta exposição, somos chamadas a redescobrir uma sensibilidade constantemente anestesiada, a perceber que tudo ao nosso redor vibra em narrativas únicas e diversas e a dialogar com o inefável.
Gabriela Carvalho
janeiro de 2025
“Festa da Vontade”
Maria Catarina
Mesmo quando não as vemos, estamos rodeados de plantas. No seu conjunto, elas representam 80% da biomassa do nosso planeta. Ultrapassam, em muito, animais e humanos. Reconhecemos o seu papel fundamental em qualquer ecossistema, a complexidade da forma como interagem entre si e com outras espécies. Somos também sensíveis ao papel metafórico da sua estrutura e como ela influencia os nossos processos de pensamento e categorizações. Usamos expressões como raízes, caules, seiva e ramos para justificar o nosso sentido de pertença e as formas mais hierárquicas ou rizomáticas do pensamento.
Apesar de tudo isto, temos a tendência a ignorar as plantas ou tratá-las de forma indiferenciada, como um grupo amorfo sem indivíduos, num fenómeno que se tornou conhecido por “cegueira botânica”. A cegueira botânica refere-se à incapacidade humana em reconhecer o papel que as plantas têm ou a crença antropocêntrica no seu estatuto inferior aos animais, vendo nelas um suporte à subsistência de outras espécies e, por conseguinte, não dignas de consideração. As razões para esta cegueira são diversas, e incluem fatores biológicos e culturais na sua base. As características uniformes como a cor ou o facto de aparecerem em populações em que os indivíduos se misturam, a ausência de movimento e de uma face têm um forte efeito na forma como as identificamos, organizamos e interpretamos. Em suma, como lhes damos sentido na nossa própria existência.
Se, no campo da arte contemporânea, o foco botânico começou a explorar a hipótese das plantas como seres sencientes, é sobretudo no aprofundamento da forma como artistas interagem com as plantas enquanto meio de expressão de identidades individuais, narrativas partilhadas e memórias coletivas que as propostas mais intrigantes têm surgido.
Na Festa da Vontade, Maria Catarina regressa ao diálogo com estas questões a partir da proposta mais radical: observar. Observar é uma extensão do verbo cuidar: ob “em frente de, em direção a, para lá de” + servare “proteger, cuidar, prestar atenção”. O Ngram Viewer mostra que a palavra observação é cada vez menos usada, substituída por outras cujo sentido se dilui nos suportes em que os olhos estão treinados para ver, e menos na interação com as coisas observadas: visualização, visionamento, exposição. O desenho de observação é um desenho de cuidado. Exige o tempo de construção de uma relação sem o qual o próprio desenho não existe, ou existe como um pobre simulacro das coisas, sem a evidência do encontro. John Berger reconheceu isto quando descreveu a necessidade de desenhar como equivalente à tentativa de um nadador-salvador de resgatar uma vida. Desenhamos para contrariar o processo de desaparecimento, substituindo-o pela simultaneidade de uma multitude de momentos em que essa relação se constrói.
Neste diálogo, Maria Catarina retoma a leitura de A Metamorfose das Plantas, de Goethe, vendo na forma da planta a evidência da sua formação, ou na sua formação a razão da sua forma: toda a forma desenhada é forma formans mais do que forma formata, uma força de metamorfose. Esta formação é feita em dois movimentos distintos, que o desenho encena na condição da sua própria materialidade: distensão e contração. Se é certo que estes movimentos fundamentais encerram, para Rudolph Laban, todas as possibilidades de movimento humano, é também neles que os gestos do desenho se estruturam. Os desenhos de a Festa da Vontade transportam para o Lugar do Desenho a experiência da artista no herbário do Museu de História Natural e Ciência da Universidade do Porto. Primeiro, como exercícios de escala capazes de lidar com o tamanho “mais que humano” das árvores do jardim, em particular do jacarandá que foi oferecido a Júlio Resende, e se encontra agora plantado na própria Fundação. Depois, como formas de delinear um quadro de pensamento-ação que nos permita estar com as plantas, evitando o poder da objetivação e ultrapassando as simples estruturas taxonómicas da botânica, mas também o nosso indisfarçável atraso neste encontro.
Paulo Luís Almeida
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Ficha técnica e artística
O Prazer da Relação: Desenho em Liberdade” tem como comissários José Paiva (i2ADS-FBAUP) e Paulo Luís Almeida (i2ADS-FBAUP) e integra o projeto «em Liberdade», financiado no âmbito do RPAC 2023 – Rede Portuguesa de Arte Contemporânea; é coordenado por MIRA Galerias, e tem ainda a parceria de AiR 351 - Residency Association, Colégio das Artes da Universidade de Coimbra, Lugar do Desenho-Fundação Júlio Resende, i2ADS/FBAUP, ACERT.