Não se trata de ser a voz do povo, importa é dar-lhe corpo.

A natureza da ACERT é a de fazer Abril por onde passa. Para cumprir este seu mesmo desígnio, assumido de forma militante e alegre pela mesma, é também natural que não esteja parada, que não se deixe estar, que continue sempre a fazer o seu caminho partilhando-o com muitos, mas ainda abrindo e abraçando o de muitos outros. 

E é nesta inerente capacidade de não deixar ninguém para trás que reside o valor da atividade da ACERT, da sua insistente postura de ir abrindo mais futuro para todos aqueles que a rodeiam. É roda viva de partilha de conhecimento e de amplificação reivindicativa das ânsias de todos, dos sonhos de todos, juntando estes elementos e dando-lhes corpo e expressão nas suas produções. Não se propõe a ser a voz do povo nas suas produções, procura dar-lhe corpo, não se retira da discussão popular pois não permite que o povo e as suas reflexões se retirem da discussão da associação.

Assim, não só permanece como um atelier de sonhos, mas também como um agente ativo de expressão reivindicativa, defende os seus direitos através do usufruto dos mesmos, como este ano com o mote do direito à festa do Festival de Músicas do Mundo, Tom de Festa. E é neste elemento que também reside muito do seu impacto. Para mim enquanto jovem tondelense interessado no período revolucionário e na história da luta do meu povo, é o imaginário de referência para o período pós-revolucionário. É na ACERT que penso quando penso nas primeiras histórias que me ouvi serem contadas sobre lutas inusitadas contra figuras do regime, sobre grandes proezas de organização popular na terra, sobre momentos de maior dificuldade e resistência. É o sítio em que penso quando penso em celebrar o 25 de Abril em Tondela, porque é lá que me faz sentido e isso diz muito.

Em diversas conversas sobre a ACERT com amigos que ainda não a conhecem, é comum dizer que é uma espécie de oásis, um clarão de luz numa região (particularmente mesmo a do concelho de Tondela) que não é particularmente conhecida pela sua preenchida agenda cultural. Enquanto ouvem, geralmente com algum fascínio - do qual eu e creio que todos os amigos da ACERT não podem evitar ter algum merecido orgulho - a loucura que é a realização e construção por exemplo de uma edição da Queima e Rebentamento do Judas, fui notando que a percepção de alguns era de que a fraternidade sentida na ACERT se repercutiu na vida dos que a rodeiam. Respondiam nas linhas do “ah, faz sentido agora!”. A hospitalidade dos tondelenses era para muitas destas pessoas justificada por este rico legado cultural, pela exposição a novos mundos pelas expressões artísticas e particularmente pela construção coletiva de muitos momentos da vida da ACERT, não exclusivamente as várias edições do Judas.

A vida desta associação e este impacto que consegue ter é prova viva e inegável do papel emancipador do projeto de Abril, de tudo aquilo que representou a nível da construção de uma ideia de cultura enquanto elemento central da formação integral de qualquer indivíduo ou comunidade. É exemplo de que o investimento e reivindicações da cultura não são elementos secundários ou elementares numa sociedade fraterna, mas sim que uma política cultural para todos é de facto perceptivelmente transformadora para uma comunidade, como foi e continua a ser todos os dias para a comunidade de ACERTinos, Tondelenses e não só.

Enquanto for casa de criação, partilhada por todos quanto assim a quiserem tratar e contando com todos estes para lhe dar forças, será sempre espaço de muito mais futuro do que passado, espaço de ainda mais Abril que construiremos nos próximos 50 anos.

 

Nuno Coimbra