25 DE ABRIL SEMPRE | NOVEMBRO POR FELISBERTO FIGUEIREDO
De 25 de janeiro a 25 de dezembro, em 2024, em todos os meses haverá um 25 de Abril. Neste ano em que se celebram os 50 anos da Revolução, no blog da ACERT e no Jornal do Centro refletimos sobre o que tem sido viver em Liberdade, os valores que fizeram o 25 de Abril e continuam a fazer parte da ACERT em cada momento. Tudo isto, através das palavras de convidados, amigos da ACERT, da Cultura e da vida num mundo que se quer sempre melhor.
O 25 de Abril surpreendeu-me, na juventude, trazendo novas de liberdade.
Era um jovem em idade de ir à guerra, mas que, por andar a estudar, foi sendo adiada a incorporação.
Fiquei com o ouvido colado ao aparelho de rádio, incorporado numa aparelhagem de alta fidelidade, acompanhando as novidades…
Os dias foram-se sucedendo com tranquila alegria, confiante no MFA e no seu programa, chegando mesmo a colaborar nas campanhas de dinamização cultural levadas a cabo pelos militares que andavam a percorrer o País, reunindo população e dando a conhecer o que representava a Revolução.
Recordo-me das sessões em que participei, cantando no salão dos Modestos, no Caramulo, no salão paroquial de Canas de Santa Maria, e também em Castro Daire, sempre com um grupo de militares um bocado desalinhados no que era a imagem tradicional dos militares. Estes eram cabeludos e barbudos, com galões pendurados onde calhava, camisas desabotoadas, enfim, uma forma nova de ser militar…
Quando o PREC começou a querer impor o seu rumo aos acontecimentos, confesso que comecei a ter alguma angústia. Adivinhava que o que fora sonhado como revolução democrática estava a encaminhar-se para a imposição de uma nova ditadura, ou, eventualmente, desembocaria numa guerra civil.
Começou a haver ocupação de herdades no Alentejo e o processo também chegou aqui. Em S. Miguel do Outeiro, apareceu um grupo de invasores, que tomou conta da Quinta de Carvalhiços e só se foram embora quando os animais e produtos da quinta começaram a escassear e começava a ser evidente o descontentamento da população local, que se preparava para lhes “fazer a folha” …
O associativismo juvenil começou a surgir de modo informal: grupos de teatro amador, grupos musicais, com música popular e de intervenção surgiam pelas aldeias e até surgiram alguns entusiastas que percorriam as freguesias do Concelho em iniciativas de dinamização, com debates interessantes, de cariz ideológico, em confrontos de ideias, umas mais conservadoras, frente a outras mais revolucionárias.
Lembro-me de um grupo de jovens que criaram, em Tondela, o Passo Em Frente, pequeno jornal policopiado, naturalmente irreverente, que era distribuído às pessoas. Com o seu entusiasmo de crítica social, um dia meteram-se com o Dr. Elísio de Matos, médico na Casa do Povo de Tonda, que não dispensava o seu dia de caça. Criticaram-no “generosamente” num artigo que lhe desagradou, pois, os doentes dele já sabiam que, naquele dia não havia consultas, que eram marcadas em consenso mútuo e, se fosse urgente, dispunham do Hospital, em Tondela. Desagradado com a insistência da crítica, o médico, que era um homem alto e destemido, apanhou o autor dos artigos, no Largo Dr. Anselmo Ferraz de Carvalho e, com o jornal enrolado, pegou-lhe no colarinho da camisa e disse-lhe: - se voltas a meter-te comigo, faço-te engolir esta porcaria!!!
À medida que o PREC se ia afirmando, foram surgindo também, por todo o concelho, “brigadas” preparadas para enfrentar os que viessem de fora impor a sua vontade revolucionária. De modo organizado, em reuniões de amigos, combinavam-se senhas e estratégias de intervenção, andando as malas dos carros apetrechadas com motosserras, destinadas a derrubar árvores que impedissem o trânsito dos “invasores” nas estradas, numa espécie de resistência organizada aos amigos do COPCOM.
As coisas foram sendo controladas e o MFA não se deixou dominar pelos ímpetos revolucionários dos que pretendiam subverter o seu Programa, tendo o 25 de Novembro garantido o caminho tranquilo à democracia nascente, que veio a ter expressão nas primeiras eleições democráticas, com uma participação avassaladora.
O Poder Local foi a grande conquista, para além da descolonização que, feita de modo apressado, foi uma verdadeira angústia para quantos tiveram que regressar, deixando em África o produto de muitos anos de trabalho, que ali haviam investido, nalguns casos, investindo lá também o que haviam vendido aqui, pois a sua decisão era ficarem em África, para o resto da sua vida, com a família.
Foi uma verdadeira saga o regresso/retorno. Uma história de superação, por vezes, embrulhada em revolta, de muitos milhões de portugueses e portuguesas, que tiveram que refazer as suas vidas, alguns emigrando para o estrangeiro.
Com o meu entusiasmo de jovem, cheguei a propor-me para ir para Angola, ou Moçambique, como cooperador, para o ensino de Português, integrado num programa que o Ministério da Educação montou. Fui a Lisboa ao Ministério, para saber as condições e o modo de poder realizar essa cooperação. Tinha tido um tio em Angola, que me seduziu, com o que contava dessas terras, onde sonhara construir a sua vida.
Voltando ao meu propósito de ir para Angola como cooperador, para o ensino do Português: no Ministério da Educação colhi a informação sobre o projecto de cooperação e cheguei à conclusão de que a minha missão, mais que ensinar Português, seria doutrinação política, muito bem alinhada com os padrões que, entretanto, se vieram a impor, com a presença massiva de cubanos e com os quais eu não me identificava minimamente. Achei melhor ficar por cá.
Depois de um ano, com horário muito incompleto, a leccionar no Colégio Tomás Ribeiro, substituindo o Sr. Professor Fontes, concorri ao ensino público e fui leccionar para Santa Comba Dão, onde me mantive durante alguns anos, com um horário cheio de horas extraordinárias, que me entusiasmaram a comprar o meu primeiro carro, um Fiat 126, em segunda mão, todo “artilhado”, com tecto de abrir, bancos reclináveis, faróis de halogéneo, jantes de alumínio e buzina de pressão. Ainda me lembro da matrícula.
As dificuldades do País obrigaram a restrições que fizeram com que o Ministério da Educação deixasse de pagar as horas extraordinárias, obrigando-nos a continuar a dá-las. Havia a promessa de que pagariam mais tarde, e pagaram.
Felisberto Figueiredo