Uma das áreas em que o debate em Portugal anda próximo da inexistência é sobre política cultural. Os espaços tradicionais dessas discussões mudaram, o sector é muito atomizado, o pragmatismo sobrepõe-se às questões de fundo, na cultura como em tudo. Por isso, soube bem ligar o telefone há dias e receber um convite da Acert para escrever um texto a propósito dos 50 anos do 25 de Abril. 
No panorama da história portuguesa contemporânea, o trabalho do sector cultural merece uma atenção muito especial, tanto por razões que se prendem com a sua importância na vida quotidiana das pessoas, dos festivais às salas de espectáculo e de cinema, à edição de livros, e música, como por razões que têm a ver com a natureza singular do mundo que a arte nos oferece.
E se nestas questões ajuda referir casos concretos e conhecidos, falemos da Acert que se pauta por nos tratar sempre muito bem. Depois do silenciamento e confronto com que a cultura foi brindada ao longo de décadas, o projecto que nasceu como teatral e que a Acert prolongou noutras aventuras, respondendo ao mesmo desejo de renovação cultural, aproximaria a cultura local e a sua reflexão crítica do rumo que por além fronteiras se ia singrando. Foi um momento de revelação: primeiro, porque se provou ser possível criar uma estrutura de trabalho profissional durante tanto tampo; depois, porque pudemos, todos, entrar numa área de paixão e de deslumbramento: a das várias pessoas da Acert pelo interior e pela sua cultura.
Talvez não seja excessivo fazer coincidir no mesmo trilho o Cine Clube de Viseu e a Acert, que despontaram nos anos 50 e 70, respectivamente: despidos de jeitos pomposos, trabalhando ideias estáveis e sem aderir a modas ruidosas e reivindicantes, pouco dados a afagar o umbigo alheio, sem querer “ter graça” constantemente.
O tempo hoje é de multiplicação de oferta cultural. Surgiram pessoas para fazer festivais. Por todo o lado alastram desfiles de moda, exposições, prémios literários que fazem corar qualquer leitor com um mínimo de conhecimentos de gramática. Na capital, sempre com pompa, a câmara lança um Teatro em cada Bairro, e assim uma sala, salão, ou corredor passam a ser espaços culturais (pelo menos por umas horas). Falar do presente é ainda mais complexo do que falar do passado – mas é claro que a palavra diversão substituiu o sentido da palavra cultura. Nesta matéria, o predomínio que o Estado e as instituições públicas estão a conceder à “experiência” e ao “espectáculo”, desvalorizando a originalidade, o trabalho paciente, o património colectivo, a exigência, é uma opção com consequências destrutivas para a própria cultura do país.  
A ideia, em duas penadas, é esta: com todos os avanços e recuos de uma política cultural cada vez imediata e imediatista, o trabalho associativo e estruturado nesta área é tão valioso agora como nas primeiras horas do seu trajecto. 
Conhecendo os modos ante e pós 25 de Abril, os novos constrangimentos são, por agora, um sítio quase pacífico e notoriamente silencioso. Mas convém estar atento. 
RODRIGO FRANCISCO É programador e gestor cultural. Foi impulsionador de projectos em rede no sector cultural e é membro do Cine Clube de Viseu.